quinta-feira, março 3

A Beleza Estranha


Executivos no Centro de Hong Kong, 2005. (Ábum atualizado)

Um dos textos que enviei para uma jornalista muito simpática que me pediu um relato sobre Hong Kong.


A Beleza Estranha

Há alguma coisa de poesia nas ruas de Hong Kong, em meio ao apinhamento de prédios, placas, pessoas e meios de transporte.Talvez a poesia esteja na previsibilidade. O caos de Hong Kong é previsível. Há sempre placas, cartazes, pessoas de terno, pessoas falando no celular, cabelos negros, um ou outro ocidental passando e mulheres de saltos baixos. Há sempre um ônibus, um bonde e muitos taxis vermelhos, placas indicando entradas de metrô e passarelas que levam de um prédio para outro e para outro e para a rua e para metrô... uma previsibilidade íntima do caos.


Há um certo equilíbrio nos contrastes: o exótico torna-se comum nas calçadas; milhares de pessoas apressadas formam uma unidade organizada; detalhes coloridos e extravagantes estão ao mesmo tempo nas roupas, fachadas e cartazes. Há os predios baixos e os altíssimos, uns modernos, outros antigos, como as pessoas. Então, para quem observa, o que está em cima assemelha-se ao que está embaixo.

Alguns edifícios de Hong Kong não parecem ter sido construídos, parecem ter nascido, com personalidade e alma. São conhecidos pelo nome e pela fisionomia. Ficam parados olhando e apontando suas facas do Feng Shui uns para os outros. Graças ao Feng Shui, muitos prédios não foram planejados apenas como unidades verticais a serviço dos homens e do aproveitamento de espaço. Foram projetados considerando regras de harmonia, a posição das montanhas, do mar e dos outros prédios. Estão relacionados entre si. Alguns estão ameaçando os demais com suas setas venenosas, enquanto outros parecem apenas ter sido pegos de surpresa, congelados num passo de dança. Tão únicos quanto as pessoas que se atropelam nas suas calçadas.

Assim como os contrastes revelam semelhanças, o aparente caos de Hong Kong é sustentado por um forte sistema de organização. As regras são cumpridas, os meios de transporte estão no horário, placas indicam os principais caminhos e as passarelas conduzem a todos os lugares. E fácil encontrar um amigo na multidão, um endereço que se deseja.

Parte da cidade está toda acertada como um relógio, dando voltas em torno de seu eixo e voltando regularmente para os mesmos lugares. A outra parte também está, mas em intervalos desconhecidos. Por isso, às vezes, sob determinado foco, todo o movimento de Hong Kong, parece também estar parado. Quem ficar em pé, numa mesma esquina, num determinado horário, todos os dias, talvez veja, em series periódicas, as mesmas pessoas, os mesmos carros, os mesmos incidentes.

A cidade é toda arranjada para pessoas que estão em movimento contínuo entre prédios, bairros e países. No entanto, por trás dessa aparencia cosmopolita, pode-se desconfiar que há um grupo de antigos donos, exercendo seu poder sobre todo o território, como se estivessem numa vila, com sua pequena elite. Lado a lado com essa elite, estão todos os outros cidadãos expatriados do mundo, com seus objetivos rápidos. Assim como ao lado de restaurantes extravagantes estão os botequins baratos, aparentemente imundos, conzinhando pedaços de seres estranhos e seres inteiros, que servem em refeições de nomes impronunciáveis. Como ao lado de Lords ingleses e refinados chineses passam camponeses e pessoas simples, escatológicas em suas maneiras. E ao embaralhar esses adjetivos e substantivos, ainda é possível obter uma descrição da cidade. Então há e não há o certo e o errado.

Em Hong Kong sabedoria e superficialidade, exótico e corriqueiro, belo e asqueroso, estranho e familiar, passageiro e centenário, curiosidade e vontade de partir formam combinações harmoniosas e incompreensíveis, como os versos de uma poesia inacabada.

Desejo do dia: bons negócios para a família.

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