quarta-feira, outubro 13

Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou...

... mas tenho muito tempo, temos todo o tempo do mundo. (Tempo Perdido, Legião Urbana)

“Manú, a menina que sabia ouvir” de Michael Ende (mesmo autor de História Sem Fim) é um dos livros que tornaram a minha infância mais intrigante. Era “grosso”, “complexo” e eu o amava. Nele, obscuros homens de cinza convenciam as pessoas a economizar o tempo e lhes roubavam cada segundo economizado, transformando esse tempo em charutos que fumavam para continuar existindo.

À medida que as pessoas iam economizando as horas, os dias ficavam mais curtos, até que a cidade acabou paralizada.

É preciso a atenção de Manú para perceber o que há de estranho com esta cidade onde moro, que encanta pela modernidade e diversidade. Onde as pessoas passam como sombras e as almas coloridas se destacam. Desconfio já ter visto ao acaso, sorrateiros, homens de cinza com seus chapéus-côco e pastas de executivo. Muitos habitantes devem ter caído em seus golpes, pois em rostos orientais e estrangeiros adormecem olhares fantasmagóricos, vazios de tempo, de quem esquece de si mesmo.

Será contagioso? Algo como a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave)? Será por isso que algumas pessoas pararam de respirar e morreram? Principalmente os idosos, que sabiam que aqui costumava haver um mar, montanhas e outras paisagens. Agora? Novas fisionomias, novos prédios, novos fantasmas, novos apartamentos assombrados. Só se salvaram os que não negociaram o seu tempo, que continuam a ver as antigas paisagens e passam como se não estivéssemos aqui. Para esses, nós somos as assombrações.

OBS: O que eu gosto de Hong Kong é que ela torna evidente as almas coloridas. E são tantas! Num olhar atento você pode ver passar pessoas que estão vivendo intensamente suas emoções. Com um pouco de sorte você pode conhecer algumas delas e eu já conheci várias.

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